Ir para o conteúdo principal

Imagine um velocista olímpico competindo na corrida de 1500 metros.

Nas duas primeiras voltas, ele corre em um ritmo constante e forte, tentando manter-se perto da cabeça, ou ao menos do meio, do grupo, na expectativa de não ficar muito atrás, enquanto gerencia a energia para todo o percurso da prova.

Por volta dos 800 metros, ele começa a se sentir cansado e diminui a velocidade. Aos 1000 metros, ele começa a gastar menos energia conscientemente. Aos 1200 metros, ele está convencido de que não treinou o suficiente.

Agora, observe este mesmo atleta quando ele se aproxima dos últimos 100 metros, o “sprint final” para a linha de chegada. Ele já correu o que seria um sprint inteiro para nós, mortais, por 1400 metros e, no entanto, o que acontece agora, quando ele se sente cabeça a cabeça com seus adversários e a linha de chegada à vista?

Ele acelera! É a sua última descarga de energia. O objetivo está bem ali, e tudo o que ele precisa é de um último gás. Então, ele lança-se à frente com tudo o que tem, movendo-se com uma velocidade incrível. Seus músculos queimam, seu coração bate tão forte que parece que vai explodir, mas ele não para. Ele cruza a linha de chegada em primeiro lugar, comemorando a vitória.

Chamamos isso de Efeito Gradiente de Meta, ou mais precisamente, a Hipótese do Gradiente de Meta. Seu efeito em criaturas biológicas não é apenas uma sensação, mas algo real e mensurável.

O Efeito do Gradiente de Meta e A Matemática do Comportamento Humano

O primeiro a tentar explicar a hipótese do gradiente de meta foi o psicólogo comportamentalista chamado Clark Leonard Hull.

Assim como outros animais, quando se tratava de humanos, Hull era um behaviorista bastante determinado, acreditando que o comportamento humano poderia ser reduzido a uma previsão matemática baseada em recompensas e condicionamentos. Por mais insano que isso soe agora, ele tinha até uma fórmula matemática interessante para o comportamento humano:

O Efeito Gradiente de Meta - Clark Leonard Hull

Algumas das ideias de Hull acabaram sendo vistas como modelos extremamente limitantes. No entanto, a Hipótese do Gradiente de Meta foi replicada e observada muitas vezes ao longo dos anos.

Hull escreveu artigos com títulos como “A Hipótese do Gradiente de Meta e Aprendizado do Labirinto” (The Goal-Gradient Hypothesis and Maze Learning) para explorar o efeito da ideia em ratos, como Hull mesmo explicou: “os animais ao atravessar um labirinto se moverão cada vez mais rapidamente à medida que o objetivo é alcançado”, assim como o velocista do exemplo anterior.

Grande parte dos estudos de Hull se concentraram em animais, em vez de humanos, mostrando de forma um tanto inequívoca que, ao se aproximar de uma recompensa, os animais parecem acelerar à medida que se aproximam do objetivo, atraídos pelo final do labirinto. Essa ideia foi ressuscitada no cenário humano em 2006 com um artigo intitulado “A Hipótese do Gradiente de Meta Ressuscitada: Aceleração de Compra, Progresso Ilusório de Objetivo e Retenção de Cliente” (The Goal-Gradient Hypothesis Resurrected: Purchase Acceleration, Illusionary Goal Progress, and Customer Retention), por Ran Kivetz, Oleg Urminsky, e Yuhuang Zheng.

Na época, em vez de roedores, o artigo analisou o comportamento do consumidor nos moldes do gradiente de meta e descobriu que não eram apenas os animais que empregavam mais energia no “sprint final”, mas também nós, seres humanos. Ao examinar algumas áreas mensuráveis do comportamento humano, os pesquisadores perceberam que os consumidores estariam dispostos a realizar mais tarefas em troca de incentivos à medida que o grande objetivo estivesse mais próximo e, depois de ganhar a recompensa final, reduziriam seus esforços.

“Os pesquisadores observaram que os frequentadores de um café aumentaram a frequência de compras à medida que se aproximavam da oportunidade de ganhar um café gratuito em um programa de fidelidade. Nesse tipo de programa, você recebe um selo a cada compra e ao completar uma determinada quantidade de selos, recebe um prêmio. O efeito também foi observado em um sistema de incentivo muito diferente, no qual a proximidade do objetivo levou os usuários de um site de avaliações de músicas a realizar classificações com mais frequência durante cada visita, aumentando significativamente a quantidade de classificações recebidas. É importante ressaltar que, em ambos os sistemas de incentivo, também foi observado o fenômeno de reinicialização pós-recompensa, no qual os consumidores aceleraram em direção à primeira recompensa, desaceleraram quando o processo recomeçava e subsequentemente aceleravam novamente em direção à segunda recompensa. Até onde sabemos, este artigo é o primeiro a demonstrar, na prática, o efeito do gradiente de meta de maneira inequívoca e sistemática no contexto da psicologia humana de recompensas.”

Cartão Fidelidade

Colocando a Hipótese do Gradiente de Meta em prática

Se levarmos a ideia a sério, a Hipótese do Gradiente de Meta tem algumas implicações interessantes para líderes e tomadores de decisão.

A primeira e mais importante é provavelmente que as estruturas de incentivos devem levar em consideração a ideia. É uma ideia bastante intuitiva, mas frequentemente não reconhecida: recompensas que exigem um longo caminho para serem alcançadas são muito menos motivadoras do que aquelas de curto prazo. Se você tivesse a chance de ganhar R$ 5 mil mensais ou R$ 60 mil no final do ano, qual sistema de remuneração você escolheria?

E se eu adiasse ainda mais a recompensa, mas te oferecesse “algo a mais” como compensação: você preferiria ser remunerado com R$ 500 mil a cada 5 anos ou R$ 5 mil por mês em um período de R$ 5 anos?

Algumas empresas levam essa ideia a sério: elas optam por bônus para funcionários de nível inferior com base na produtividade mensal, em vez de esperar até o final do ano para distribuir o bônus. Basicamente, o fim do labirinto acontece a cada 30 dias em vez de uma vez por ano. O tempo entre o trabalho e a recompensa é encurtado.

A outra lição se aplica ao comportamento do consumidor, como mencionado no artigo. Se você oferece recompensas por uma ação específica do seu cliente, deveria recompensá-lo mais cedo ou mais tarde?

A resposta é quase sempre “mais cedo”. Na verdade, o efeito pode ser forte o suficiente para fazer você conseguir menos recompensas totais se você aumentar a velocidade delas.

Por fim, podemos aplicar a Hipótese em nossas vidas no âmbito pessoal.

Digamos que o nosso objetivo é ler mais. Devemos estabelecer como meta ler 52 livros por ano e nos cobrar por isso, ou ler 1 livro por semana? E que tal 25 páginas por dia?

Mudar os objetivos para mais cedo tende a aumentar nossa motivação e nos provar repetidamente que somos capazes de alcançá-los. Isso é psicologia comportamental clássica: recompensas instantâneas em vez de tardias (mesmo que essas recompensas sejam psicológicas). Além disso, nos força a evitar a procrastinação. Afinal, deixar 35 livros para serem lidos nos últimos dois meses do ano seria demais para nossa autoestima.

Essas lições parecem úteis, mas aqui está um desafio: tente aplicar uma nova regra ou ideia, combinando o efeito gradiente de meta com pelo menos um outro princípio da “Psicologia do Equívoco Humano” (The Psychology of Human Misjudgment) de Charlie Munger, e comece a testá-lo em sua vida pessoal ou em seu ambiente de trabalho, seja você um colaborador ou gestor. Não deixe informações úteis empoeiradas; ao invés disso, comece a agir.

Deixe uma resposta